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10 questões para melhorar o roteiro

há 5 anos 4 meses

Ter uma ideia de roteiro normalmente não é um problema: a história acontece na sua cabeça de maneira até bem fácil, mas tem algumas perguntas que podem torná-lo mais robusto e muito mais completo. E é delas que vamos falar hoje.

O conglomerado britânico de televisão e rádio BBC tem desde 2017 uma iniciativa para formação e fomento de novos escritores voltados para mais de um setor como teatro, TV, rádio, internet entre outras plataformas.

A BBC Writer’s Room, nome da iniciativa, lançou uma lista de 10 questões que podem ser usadas para redefinir ou melhorar um roteiro. Feita pelo escritor John Yorke, as questões foram compostas de maneira que pudessem apresentar um modelo completo para construção de narrativas em audiovisual, como TV ou internet.

1) Sobre quem é a história?

Quando se está desenvolvendo para TV, internet ou qualquer outra plataforma, deve se levar em consideração um foco a partir do qual a história é contada. Ainda que a construção seja feita em torno de várias personagens, alguém assume o protagonismo.

E veja você: se o foco não está nas personagens, ele pode estar no local onde as histórias se passam e ser o local dessa “personagem principal”.

Essa noção de para quem a história aponta pode te ajudar a balizar a narrativa e dar dinamicidade àquilo que é narrado.

Por mais interessante que seja ter uma história composta por várias personagens — e mesmo que você conte o suficiente para fazer com que o público tenha conexão com elas —, estabelecer esse protagonismo em uma delas torna a atividade escrita do roteiro muito mais fluida porque ela estabelece um norte.

Então, antes ou depois de pensar a sua história, observe sobre quem está falando.

2) O que a sua personagem precisa?

Essa parece ser uma pergunta muito genérica, mas quando se trata de contar histórias, ela é muito importante. A gente não conta algo somente por contar, mas procura evidenciar algo que ela ressalta em relação a sua personagem principal, por exemplo.

Normalmente, isso se dá por meio de um objetivo que é estabelecido na história a partir da qual as dificuldades e obstáculos serão colocados no cumprimento desse objetivo, levando a personagem ao aprendizado de algo novo: mais uma vez, estamos falando de jornada do Herói.

Mas nesse caso em específico, estamos falando de uma característica muito própria da personagem que protagoniza sua história e a coisa passa a interferir, também, na forma em que a história será contada, uma vez que ela, enquanto personagem principal, é o pivot de tudo o que acontece. Parace difícil, mas não é: vamos aos exemplos.

Em How I Met You Mother (2005-2014), por exemplo, o objetivo estabelecido é contar aos filhos de Ted Mosby (Josh Radnor) como ele conhece a mãe. Por mais que a série americana tenha 9 temporadas e muitas histórias paralelas sejam contadas no meio do caminho, o primeiro e último episódio são pautados justamente pela necessidade de cumprir esse objetivo e mostrar que Ted também aprende algo com isso: ele quer se aproximar de Robin Scherbatsky (Cobie Smulders).

3) O Evento de incentivo

Praticamente toda história tem algo ou algum momento que a leva para frente e a dá movimento. Trata-se de algum ponto de partida a partir da qual a história começa a acontecer.

Quando eles citam esse tipo de “evento”, a ideia por trás disso é mais sobre “o que rompe a normalidade da história da personagem e a leva para a nova jornada?”. Existe sempre um ponto que define uma realidade antes da aventura, normalizada e um tanto corriqueira e um ponto no qual começa o Chamado à Aventura e os demais passos da Jornada do Herói.

Em Pets – A Vida Secreta dos Bichos (2016) esse evento é chegada de Duke, um cão de canil, que entra na vida de Max, um pet de uma moradora da ilha de Manhattan, New York. A vida de Max apresentava uma realidade, mostrada nos primeiros instantes do filme até que tudo muda a partir da chegada de Duke, ponto onde a história começa.

4) O que a sua personagem quer?

O desejo e necessidade podem ser confundidas quando a gente fala de roteiro e personagens, mas eles devem ser levados ao pé da letra quando se está falando de construção de histórias.

Em As Vantagens de Ser Invisível (2012), Charlie quer ser alguém normal — um estado que ele define como “infinito”. Esse é o seu desejo. Mas o que ele precisa para alcançar isso é passar por uma série de episódios que definem sua vida adolescente e sua superação da depressão por conta do suicídio do seu amigo. Essa é a sua necessidade.

Definir o que a personagem quer (desejo) é algo importante porque ajuda você, enquanto desenvolvedor da narrativa, a estabelecer passos que a personagem deve passar (necessidade) para chegar a esse objetivo.

5) Quais dificuldades a sua personagem encontra no caminho?

A partir dessas definições, do que a personagem quer e do que tem por necessidade, sabendo quem é a sua personagem, você saberá aquilo que é difícil para ela superar e, portanto, qual é o conflito que ela passa dentro da história. O conflito tem um importante papel na criação do ritmo e do movimento dentro da sua história.

Histórias Cruzadas (2011) é um filme que divide o protagonismo da história em duas personagens muito fortes: Euginia “Skeeter” Phelan (Emma Stone), uma jovem branca de Jackson no Mississippi que quer ser escritora, e Aibileen Clark (Viola Davis), uma empregada doméstica negra também da mesma cidade.

A questão aqui é que ambas tem algo a fazer que é muito custoso: Aibeleen tem uma história e um pensamento profundo a contar sobre a realidade que vive enquanto mulher, negra e empregada doméstica de pessoas brancas no Estado do Mississipi; enquanto “Skeeter” sabe que vai ter contrariar seu status quo para posicionar a história das empregadas no livro e realizar seu sonho de ser escritora.

A dificuldade que move o filme é justamente a luta do esforço de ambas personagens para conseguir superar a dificuldade que tem, cada uma em sua área, completando sua jornada.

6) O que está em jogo?

Normalmente a gente imagina que essa é uma pergunta de vida ou morte, mas ela pode ser apontada para o aspecto mais pessoal da personagem em si. O que ela perde ou ganha, o que muda na realidade dela, uma vez que ela aceita o desafio, entre outras coisas.

Perguntas como essa também ajudam você a delimitar a personagem e a tipificar o conflito, de maneira que você consegue encontrar uma melhor definição da problemática da história e da personalidade da personagem que está tratando.

Uma série que mostra esse questionamento é Coisa Mais Linda (2019). Ainda que seja uma série de 4 protagonistas, Malu(Maria Casadevall), Adélia(Pathy Dejesus), Lígia(Fernanda Vasconcellos) e Thereza(Mel Lisboa), cada uma é levada a se perguntar, dentro do seu contexto, o que está em jogo: família, emprego, casamento, sociedade. Os conflitos da série são justamente permeados pelas perguntas e apostas pessoais das personagens e pelas consequências dessas decisões.

7) Como e por quê?

As situações e lições pelas quais suas personagens vão passar ou passam, obviamente, não vem do nada e não geram consequências aleatórias. Elas tomam uma forma e tem um por quê dentro da sua história. Isso cria uma estrutura causal muito bem definida.

Homem de Aço (2013) é o tipo de filme que exemplifica essa estrutura muito bem: porque Kripton estava sob ameaça de explosão, um cientista (Jor-El) alerta os governantes e prepara o filho (Kal-El) para um escape para outro planeta, contendo todas as informações do povo com ele. Por conta da previsão de Jor-El, um golpe de Estado tenta ocorrer pelas mãos de um general (Zod), que é banido para uma zona fantasma. A explosão de Kripton, o envio da criança e o banimento do general, criam as causas futuras do conflito que move a história: Kal-el se torna um super-humano que, quando descobre sua origem, acaba libertando Zod que ataca a Terra atrás de Kal-El e suas informações.

Tudo o que é desenvolvido em Homem de Aço gira em torno de causas e estruturas muito atadas no passado e que geram consequências no futuro, e que de certa forma ocorrem no modelo clássico de história em três atos.

8) Por que a gente se importa (com isso)?

Ainda que essa seja uma pergunta que responda mais a conteúdo seriado, ela é bem aplicável a filmes ou curtas: o que prende a sua audiência ao próximo minuto é extremamente importante para que ela fique até o final do conteúdo.

No mundo dos filmes, Vingadores: Guerra Infinita (2018) cria uma constante tensão a fim de prender a sua audiência. O porquê de a gente se importar com o fim do filme é ver se o constante esforço dos heróis dará conta de um vilão como Thanos (Josh Brolin).

No mundo das séries, Um Maluco no Pedaço (1990-1996) mostra o processo de adaptação e crescimento de Will (Will Smith) em uma nova casa e sociedade. As novas aventuras de Will e a sua forma bem-humorada de encarar problemas e situações é um dos fios condutores da história. A cena final da série (spoiler) é uma das que mais marca, mas também é uma das que mais fixa o público no conteúdo exatamente por mostrar que, apesar de tudo o que Will já tinha passado, ele ainda carregava a mágoa do abandono de seu pai.

9) O que a(s) personagem(ns) aprende(m)?

Ainda que essa seja uma lição bem repetitiva, ela é muito importante para dar um fim ao seu roteiro. Principalmente porque o aprendizado mostra o fim da jornada que começou quando você passou a retratar a narrativa, principalmente quando se fala em seriados e filmes. É para onde o arco da narrativa leva.

No caso de séries, essa lição é também o que determina o âmbito do episódio, embora não determine o fim da série.

O Date Perfeito (2019), filme do Netflix, mostra o arco clássico de filme (um tanto típico para o estilo de produção e história de romance adolescente) na qual Brooks Rattingan (Noah Centineo) aprende que a sua vida vai muito além do carrão e da garota mais popular de sua escola, a motivação inicial do filme. O que coincide é que o ponto inicial e o ponto final da história mostram as diferenças de pensamento entre Brooks do começo da história e o Books que chega ao final dela.

10) Como sua história termina?

Ainda que essa questão seja muito parecida com algumas das anteriores, elas se diferem um pouco: por mais que as personagens tenham conflitos, que esses geram dificuldades e que essas dificuldades levem a aprendizados, a descrição do fim da história é o que amarra e reforça todos esses fatores de maneira coesa e que faça sentido para o seu público.

Quantas histórias nas quais a “lição” final é até boa, mas o final em si é um tanto tosco?

Nesse ponto vale pensar com cuidado no fim que você vai dar a cada personagem ou ao seu personagem principal para que sua história e todos os seus passos até aqui não se percam em relação ao público.

É frustrante para quem escreve perceber que no fim uma história fantástica se perdeu em um final sem brilho.

Então, o final merece sim sua atenção: se o mocinho ou mocinha vai ficar com outro mocinho ou mocinha, vale muito estabelecer uma forma criativa de mostrar isso, do contrário, você vai ter que fazer esses dez passos bem mais de uma vez.

Autor(a) do artigo

João Leite
João Leite

Escritor e redator, formado em Rádio e Televisão pelo Complexo FIAM-FAAM, apaixonado por literatura e observador míope do espaço sideral.

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