O cinema experimental, ou de vanguarda, vem na contramão de um cinema “mainstream” dominante e se propõe a desafiar qualquer noção ortodoxa do que um filme pode ou não mostrar. Logo, pensar e principalmente agrupar esses filmes a partir de sua forma é uma tarefa complexa, uma vez que este cinema tem como proposta primordial nesse experimentalismo a vontade de tensionar os limites da linguagem cinematográfica.
David Bordwell e Kristin Thompson, em A arte do cinema: uma introdução, aceitam esse desafio. Para os autores, além da forma narrativa, que já conhecemos do cinema hegemônico, os filmes experimentais podem se expressar de forma abstrata e forma associativa.
Forma abstrata
Aqui nos atentamos às qualidades pictóricas de um filme, não mais a sua história. Os autores traçam uma aproximação entre esses filmes e a música, que é organizada a partir do tema e variações. A melodia é introduzida e, em seguida, são adicionadas diferentes versões da mesma melodia, com diferenças de ritmo e tom, fazendo com que aquele padrão original se torne até mesmo irreconhecível.
A forma abstrata de um filme pode funcionar da mesma maneira. A partir de uma seção inicial que estabelece a relação que o filme terá com o material base, outros segmentos posteriores apresentam um grau de similaridade com essa relação, mas com alterações.
Balé Mecânico (1924), um dos primeiros e mais influentes filmes abstratos, transforma objetos mundanos em prol de suas qualidades abstratas como base para a forma fílmica. Por conta de nosso repertório, quando lemos a palavra “balé” do título, esperamos um movimento fluido de bailarinos humanos. O filme vai, então, na contramão disso ao apresentar uma dança de máquinas.
Revertendo nossas expectativas acerta da natureza do movimento, o filme faz objetos dançar e transforma ações humanas em gestos mecânicos. E através da justaposição dessas máquinas em cena, somos capazes de até mesmo identificar olhos e bocas como partes de uma máquina.
Forma associativa
A forma associativa parte de um sistema que, a partir do agrupamento de imagens que a princípio não possuem ligação direta, sugere ideias e qualidades expressivas. E é graças ao nosso ímpeto de interpretação que somos estimulados a estabelecer uma associação entre essas imagens e sons justapostos.
A Movie (1958) é um exemplo de filme que confronta o espectador com essas justaposições que causam um estranhamento, mas que são, ao mesmo tempo, evocativas. Bruce Conner, que vem das artes plásticas e visuais, utiliza em seu cinema imagens já existentes de jornais, filmes hollywoodianos, pornográficos, e propõe associações entre esses planos de origens absolutamente diferentes.
Atrelada a essa técnica de found-footage nos trabalhos do diretor, em A Movie ele seleciona músicas já existentes como acompanhamento musical (três peças do poema sinfônico “Pini di Roma”, de Respighi). E é essa trilha que dita as diferentes seções do filme, cada uma com uma atmosfera influenciada por essa camada sonora.
Bordwell e Thompson demarcam quatro segmentos de A Movie: o primeiro composto por “uma parte introdutória com o título do filme, o nome do diretor e as marcas do operador cinematográfico”. Em seguida, “música rápida e dinâmica com imagens de animais e veículos em movimento na terra”. O terceiro segmento apresenta “uma seção mais misteriosa e tensa enfatizando objetos precariamente equilibrados no ar e na água”. E o último com “imagens assustadoras de desastres e guerra intercaladas com planos mais misteriosos e líricos”.
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Referências
Livros: A arte do cinema: uma introdução, de David Bordwell e Kristin Thompson
Filmes: Balé Mecânico (1924), dirigido por Fernand Léger e Dudley Murphy A Movie (1958), dirigido por Bruce Conner