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Cinema

A lógica do corte: como e quando cortar

há 5 anos 2 meses

Quando a gente começa a trabalhar com edição, uma das perguntas que mais vem à mente é “quando cortar?”.

Uma das primeiras coisas que deve-se ter em mente é que editar não fala só sobre eliminar cenas ruins ou que não ficaram boas, mas sobre saber como cada uma delas influencia dentro da narrativa que está sendo contada para o público em cada trecho ou corte.

A função da edição

Quando ouvimos alguém contar uma história, conseguimos posicionar os elementos que fazem parte dela, já que todo mundo tem alguma ideia de como uma história acontece e de como imaginar cada detalhe daquilo que está ouvindo. A maior parte de nós já nasceu numa geração cinematográfica e tem uma noção ao imaginar cenas que nos são contadas já dividindo-as em quadros.

É importante lembrar que a edição é a responsável por criar uma experiência mais próxima entre o que o público vê e a cena que está acontecendo, de modo que ele possa experimentar, junto com a personagem, a mesma sensação de quem está vivendo o que ocorre ali.

É o editor que controla, por meio daquilo que ele decide cortar ou não, aquilo que o público vai assistir, e isso muda e muito a história.

Edição é uma separação de ideias

Uma das direções que podem ser tomadas, dentro da lógica de edição, é a ideia de que o corte deve acontecer quando alguma coisa precisar ser inserida dentro daquela cena.

Claro que essa é uma noção que vem com o tempo e com a prática, mas você deve tentar exercitar sua sensibilidade para poder ter essa noção de quando essas informações devem ou não ser inseridas dentro da sua edição e, assim, da narrativa.

E é por isso que a gente separou alguns critérios básicos que devem ser levados em conta no momento do corte: a informação, a motivação, a composição do quadro, o ângulo e a continuidade.

A informação

Uma das funções da edição é manter o público interessado naquilo que está sendo exibido, mas o interesse desse mesmo público passa pela quantidade de informação que ele recebe.

Informação demais distrai do foco do que se está contando, e informação de menos torna a história entediante.

Assim, saber a quantidade de informação que uma determinada cena está dando ao público é uma das formas de determinar quando — e se — ela vai ser cortada. É essa capacidade de saber gerenciar informação que torna a edição mais fluida e mais “invisível”.

Ainda que estivessem na luxuosa escada do HMS Titanic, com todos os entalhes e lâmpadas, nessa cena, o corte consegue guiar o público à informação central, o casal Jack e Rose.

Para poder saber qual é essa quantidade, é interessante que você se pergunte, no momento do corte, “qual informação eu quero transmitir ao público agora?”, ou ainda “existe alguma informação no próximo plano que deva ser, ou não, apresentada agora?”, “existe algum plano que privilegie a informação que eu quero passar?”

A motivação

Por mais óbvia que essa parte pareça ser, muitas edições acabam errando no momento de cortar porque não estabelecem um motivo para que esse corte ocorra.

O porquê cortar e qual o objetivo que se quer chegar com aquele corte podem ser pensados levando em consideração os seguintes aspectos:

Motivação visual

A motivação visual é aquela que define a inserção de uma nova informação visualmente, por exemplo, o personagem principal olha para o canto da tela e a imagem corta para a região que a personagem olhou, mostrando que ela olhava para um vaso.

Em “Os Infiltrados” (2006), o corte de cenas é feito de modo a mostrar que as duas personagens estão na mesma linha, mesmo que não falem. O movimento que fazem com os olhos, a maneira que seguram o celular e o enquadramento “

Motivação sonora

A motivação sonora segue uma lógica parecida da motivação visual, evidenciando o corte a partir de algum som que é reproduzido na cena e que precisa ser focado, como quando toca o telefone da personagem principal e a cena corta para um plano mais detalhado do aparelho.

Em Tropa de Elite (), o som do engatilhar da arma de André Matias motiva um corte ainda maior para uma cena em plano extremamente fechado do soldado que vacila entre cumprir ou não a ordem de Capitão Nascimento.

Acelerar uma cena

Cenas que contem um alto índice de agitação ou que precisam de mais adrenalina, como cena de perseguição, luta, ou de grande tensão por conta de uma ação, exigem planos mais curtos e com cortes mais rápidos. Assim, a lógica do corte se justifica no efeito que ele quer criar.

Em “Vingadores: Guerra Infinita (2018), a cena de confronto com Thanos em Titan é intensificada com os múltiplos cortes, para que ela cresça em tensão e agitação.”

Supressão do tempo

A supressão de tempo é um dos motivos que é mais comum quando a peça na qual se está trabalhando tem um limite bem estabelecido de tempo, como, por exemplo, uma entrevista. Cortar para se adequar a um tempo é, também, um dos motivos que pautam a lógica de corte.

Composição do quadro

O editor deve saber que cada quadro tem o seu ponto de interesse. O ponto de interesse é o local ou região da tela para a qual o público será atraído a olhar ou onde ele procurará a informação — esse último chamado de eye trace.

Você pode manter o público interessado justamente ao manipular, através do corte, as regiões para onde o seu espectador está olhando ou para onde ele vai olhar. Em alguns casos, por exemplo, caso a gravação tenha sido feita em 4K e deva ser entregue em Full HD, você tem uma certa flexibilidade quanto ao que o enquadramento pode ter ou não privilegiado dentro da edição — isso, claro, feito em conjunto com a direção geral do projeto.

Existe uma simetria a ser observada e que foi planejada pelo diretor, e que pode ser evidenciada no corte ou no zoom. Em “Thor” (2011), o losângulo compõe essa simetria para evidenciar o herói.

Por mais que você seja o guia, através da edição, daquilo que o espectador vai ver, manter essa “viagem” pelas regiões da tela mais simples e fluida é uma maneira de manter esse mesmo espectador mais interessado no conteúdo que está sendo exibido. Em uma entrevista, por exemplo, o flip, inversão de onde os entrevistados ficam no quadro, ajuda a criar uma sensação maior de fluidez.

O ângulo

O ângulo do quadro normalmente será um dos critérios que você terá pouco controle dentro da edição, mas é algo que deve manter a atenção para que em sua edição você escolha planos que respeitem tanto a regra dos 30 graus como a regra dos 180 graus.

Em Batman: Cavaleiro das Trevas (2008), na cena de enfrentamento entre Batman e o Coringa, o ângulo em que o Coringa é mostrado é feito levemente inclinado de baixo para cima.

A regra dos 30 graus determina que sempre que você mudar o plano de um mesmo assunto filmado, a câmera deve ter se movido em no mínimo 30 graus em relação a esse assunto. Como muitas vezes isso não é respeitado pela direção no momento da captação, você pode fazer com que isso seja respeitado inserindo imagens intermediárias entre esses planos.

Já a regra dos 180 graus determina um eixo de movimentação de 180 graus da câmera para dar a noção espacial ao público que assiste. Assim, ainda que haja alternância nos planos, essa regra permite que o público saiba identificar onde cada coisa está dentro daquela cena. Essa regra se aplica tanto aos personagens quanto à disposição dos objetos de cena.

A gente tem um post falando melhor da regra dos 180 graus aqui. ;)

A continuidade

A continuidade é justamente a capacidade de união entre quadros, cortes e cenas, de modo que eles tenham uma mesma linha e sentido, e é um fator importantíssimo para manter a mudança dos quadros mais fluida, além de garantir uma edição “invisível” ou edição em continuidade.

A continuidade cria, dentro da sua produção, harmonia entre pessoas, lugares, coisas nos diferentes planos e quadros, que podem ser captados em momentos diferentes — algo comum de acontecer dentro de produções de médio a grande porte.

O vídeo abaixo é da Universal TV BR e mostra alguns desses erros de continuidade em grandes filmes.

Normalmente, em produções maiores, você terá um boletim de continuidade que vai te guiar em como editar, mas boa parte das produções menores não conta com esse tipo de documentos e a continuidade dependerá da sua capacidade de percebê-la dentro do corte. Lembre-se: você é responsável pelo que vai aparecer na tela.

Elementos que influenciam a continuidade
Conteúdo

Quando estiver editando, tome cuidado para que um determinado objeto ou condição dele não mude de um quadro para o outro. Um exemplo disso é em uma cena você ter um copo cheio de água e no seguinte o copo estar pela metade, quando não houve uma explicação do por quê isso aconteceu. Caso não haja uma cena para explicar essa mudança, você pode inserir um plano intermediário para dar a ideia de que o personagem bebeu o que estava no copo.

Movimento

Outra coisa importante dentro do corte e da noção de continuidade é que seu corte deve conservar o movimento que é feito pelo seu personagem. Se sua cena tem o protagonista segurando um objeto com uma das mãos, a mesma mão deve ser usada por ele no próximo plano. Assim, se sua personagem pega o telefone com a mão direita, é importante lembrar que o telefone esteja na mesma mão, mesmo que esteja em quadros diferentes.

Posição

A posição é outro fator determinante dentro da continuidade para que a noção de edição invisível seja mantida, já que para mantê-la, se uma personagem entra pela porta direita a disposição da cena seguinte deve respeitar a orientação do quadro anterior. Se duas pessoas conversam num sofá, o quadro seguinte não pode ser uma delas na cozinha sem que haja um plano que explique a movimentação até o local.

Som

O som é um item da continuidade que merece muita atenção, já que deve também haver uma linha que una os diferentes áudios que você vai usar dentro das suas cenas. Como as cenas normalmente são gravadas em ordens diferentes daquelas que serão montadas, o áudio também apresenta condições diferentes em decorrência a uma série de fatores, que também irão influenciar na invisibilidade da edição.

Às vezes será necessário “poluir” um áudio para que ele fique na mesma qualidade que outro captado em outras condições.

Por fim, há muitos critérios que vão influenciar no seu corte final, mas basicamente ele vai ser pautado a partir desses e, com a prática, você vai ser capaz de fazer isso de modo cada vez mais intuitivo.

Autor(a) do artigo

João Leite
João Leite

Escritor e redator, formado em Rádio e Televisão pelo Complexo FIAM-FAAM, apaixonado por literatura e observador míope do espaço sideral.

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