Você já conferiu aqui em nosso blog a jornada de restauração de Metrópolis (1927), a obra máxima do expressionismo alemão. Mas uma outra obra, também de Fritz Lang, teve grande destaque no movimento: M, O Vampiro de Dusseldorf (1931). A partir do documentário The Physical History of M, apresentamos hoje algumas curiosidades sobre o processo de restauração desse grande filme.
Em uma primeira visada, o que nos chama a atenção é o formato da tela. A proporção parece ainda mais quadrada que o famoso 4x3 (1.33:1) dos antigos televisores. Isso acontece porque o filme foi rodado entre duas diferentes eras: a do cinema mudo e a dos novos padrões hollywoodianos de filmagem. Enquanto os filmes mudos utilizavam a proporção 1.33:1 (primeira película da imagem abaixo), a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood estabeleceu, em 1930, uma padronização da proporção das produções de 1.33:1 para 1.37:1 (segunda película da imagem abaixo), permitindo a partir da mudança a inserção da banda sonora na tira do filme.
Porém, como M foi rodado nesse período de transição, o filme utilizou o padrão de 1.33:1 e achatou a imagem do filme para encaixar ali a banda sonora, resultando em uma imagem mais quadrangular, em 1.19:1 (terceira película da imagem acima).
Mas esse passo para o cinema falado não influenciou apenas o registro na película. Enquanto o cinema mudo podia simplesmente substituir as cartelas (intertíulos) narrativos ou de diálogos por outro idioma, pra distribuí-los pelo mundo todo, com o cinema falado o filme precisava passar por uma dublagem.
E mais do que simplesmente dublar as cenas, atores de outros países foram contratados para reencenar determinados diálogos no idioma local. Abaixo você confere frames da conversa entre o ministro e o delegado de polícia. Ao lado direito está a versão original do filme, em alemão. Já ao lado esquerdo, a versão reencenada por atores franceses.
Alguns textos diegéticos também foram refilmados, como cartazes, cartas… O anúncio de “procurado” foi uma dessas cenas regravadas com o texto traduzido para o francês (a esquerda). Essa é uma técnica utilizada até hoje por estúdios de animação, que alteram o idioma dos textos presentes na diegese de acordo com o país em que o filme é distribuído, mas é uma prática pouco comum em live actions.
A cena final do filme foi regravada, inclusive, com o mesmo ator. Peter Lorre, que interpreta Hans Beckert, regravou suas falas em francês, porém não há informações se foi o próprio Fritz Lang que realizou a direção dessas tomadas alternativas, uma vez que tanto os enquadramentos quanto a iluminação são diferentes da versão final em alemão.
Além dessas pequenas alterações referentes ao idioma, o final do filme foi alterado para uma versão mais “feliz”. O plano final das mães chorando em luto foi substituído por uma cena de pais felizes observado suas crianças brincando.
Em 1937, o filme foi banido pelos nazistas, assim que Lang fugiu da Alemanha - indo fazer filmes em Hollywood. E foram várias as tentativas de restauração da obra, muitas em baixa qualidade, que não levavam em conta a proporção de tela diferenciada utilizada no filme e essas diferentes “versões” do filmes.
Até que os negativos originais de câmera foram descobertos no Arquivo Estadual de Berlim - muito danificados e sem um dos rolos. Ao combinar esse material com as cópias da Cinemateca Suíça e do Museu de Cinema da Holanda, o laboratório L’Immagine Ritrovata de Bolonha pôde criar uma nova cópia de preservação do filme. Apesar disso, ainda não podemos considerar essa a versão final da restauração do filme.
A partir dos documentos da cúpula de censura, sabemos que a fala de Frau Beckmann que encerra o filme, dizendo “vocês”, na verdade era originalmente “vocês também”. Além disso, os mesmos documentos apontam que o filme tinha a duração de 117 minutos, e a versão mais longa que temos disponível tem 110 minutos.
Nos resta apenas a esperança de que uma cópia dessa versão original completa ainda seja encontrada.
Referências
Filmes: M, O Vampiro de Dusseldorf (1931), dirigido por Fritz Lang The Physical History of M - extra do filme presente na edição da Criterion Collection