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A trajetória para um novo Cinema Queer

Conheça mais sobre a trajetória de representação da população LGBTQIA+ no cinema, até o surgimento do New Queer Cinema como movimento.

há 4 anos 2 meses

Ao longo da história, o cinema foi uma poderosa ferramenta ideológica responsável por nos apresentar as diretrizes dos papéis que deveríamos desempenhar socialmente. Seus modelos do que era ser homem ou mulher, cisgênero ou transgênero, heterossexual ou homossexual, eram rígidos e bem delimitados. O enredo no cinema clássico também demarcava os lugares de cada um na narrativa: o homem era o guerreiro, o herói, enquanto a mulher ocupava seu espaço de submissão, frágil, aguardando pelo seu salvador. E qualquer transgressão nessas normas era reprimida ou destinada ao deboche.

“Hollywood, este fenomenal fabricante de mitos ensinou aos heterossexuais o que pensar dos gays e aos gays o que pensar deles mesmos” (The Celluloid Closet)

Dedicado a revelar como o cinema americano retratou homossexuais e lésbicas de forma estereotipada ao longo dos anos, o documentário The Celluloid Closet (1995) reúne os principais filmes com personagens gays, lésbicos, bissexuais e transgêneros para discutir, a partir deles, como essa representação perpetuou a exclusão, o riso e o medo dessas identidades.

O documentário parte da primeira representação de afeto entre dois homens na história do cinema: Dickson Experimental Sound Film, de 1895. O experimento, realizado por William Dickson, é o primeiro filme conhecido com som gravado ao vivo. Nele, enquanto Dickson toca um violino em frente a um gravador, dois rapazes dançam uma valsa.

Se nesse primeiro momento a cena foi retratada com naturalidade, nos anos seguintes, quando os homossexuais passaram a ser representados de forma declarada no cinema, os personagens eram colocados em posições inferiores nos enredos. O arquétipo do sissy (marica em português) era de um gay afeminado que despertava o riso do público. Sem vida amorosa ou sexual, sua função narrativa era a comicidade. As lésbicas, por outro lado, quando masculinizadas, entravam em um espaço do mistério.

Em 1930, o Código Hays é instituído nos Estados Unidos e passa a censurar filmes, defendendo a moral e os bons costumes. As restrições passavam pela nudez, pelo sexo, prostituição, aborto, divórcio, beijo de boca aberta. Até mesmo sistemas capilares eram proibidos - axila na tela, nem pensar!

O código tinha um papel claro de controlar os discursos sobre os corpos e sobre a sexualidade, declarando quais seriam os corpos e sexualidades possíveis de serem representadas e dignas de existirem. Alguns diretores conseguiam driblar a censura e colocavam personagens homossexuais em suas narrativas, mesmo que de forma discreta. O Falcão Maltês/Relíquia Macabra (1941), de John Huston, e O Festim Diabólico (1948), de Alfred Hitchcock, davam protagonismo aos personagens gays, que não eram mais motivo de riso do público. Agora, eles eram os vilões da narrativa: assassinos e psicopatas.

Foi a partir de uma mudança no cenário histórico com as revoltas e reinvindicações de direitos, em movimentos organizados, que os filmes também se transformaram. Nos anos 90, o New Queer Cinema ganha força, apresentando um discurso de transformação social e dissociando o público LGBTQIA+ da AIDS, até então tratada como uma “peste gay”. No Brasil, Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz, foi um grande representante desse novo movimento.

Além da unidade temática, o New Queer Cinema também se reinventou pela estética. Ele deixa de lado o homossexual higienizado das novelas das 9 (branco, discreto e de classe média) e apresenta personagens exagerados, afeminados, não padronizados. Em seus corpos vemos a influência do camp, que compõe seus figurinos, suas maquiagens e até mesmo suas narrativas.

E se você não conhece muito sobre o movimento, confira aqui alguns filmes que foram exibidos na mostra New Queer Cinema, realizada em 2015 e 2016:

  • Línguas Desatadas (1989), de Marlon Riggs
  • Garotos de Programa (1991), de Gus Van Sant
  • The Watermelon Woman (1996), de Cheryl Dunye
  • Meninos Não Choram (1999), de Kimberly Peirce
  • Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz
  • Mal dos Trópicos (2004), de Apichatpong Weerasethakul
  • Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda

Você pode conferir a seleção completa de filmes nos sites da mostra de 2015 e 2016, além dos catálogos com textos de análises e críticas do movimento.


Referências

Filmes: The Celluloid Closet (1995), dirigido por Rob Epstein e Jeffrey Friedman

Artigos: O colorido Cinema Queer: onde o desejo subverte imagens, de Margarete Almeida Nepomuceno

Autor(a) do artigo

Rafael Alessandro
Rafael Alessandro

Professor, coordenador e produtor de conteúdo no AvMakers. Rafael Alessandro é formado em Comunicação, graduando em Cinema e Audiovisual e mestrando em Cinema e Artes do Vídeo pela Faculdade de Artes do Paraná.

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