A mise-en-scène - “pôr em cena” em francês - é um termo apropriada do teatro que expressa o controle do diretor, que escolhe o que está ou não em cena - ou, no caso do cinema, o que está ou não em quadro. Dessa forma, o que antes era encenado para o público de teatro, agora é encenado para a câmera. E a mise-en-scène está ao dispor do cineasta em quatro aspectos fundamentais na arte cinematográfica: cenário, figurino/maquiagem, iluminação e encenação.
Cenário
Como apontam David Bordwell e Kristin Thompson, o cenário no cinema tem um uma importância diferente do teatro. O autor recorre a André Bazin para sua justificativa: “O ser humano é indispensável no teatro. O drama na tela pode existir sem atores. Uma porta batendo, uma folha ao vento, as ondas batendo na praia podem aumentar o efeito dramático. Algumas obras-primas do cinema usam o ser humano apenas como um acessório, como um figurante ou em contraponto com a natureza, que é a verdadeira protagonista”.
O cenário no cinema pode ser, então, não apenas um plano de fundo para os acontecimentos, mas também fazer parte da ação dramática. Um exemplo são os filmes do neorrealismo italiano.
Com o fim da segunda guerra, o cinema italiano sofreu uma reviravolta, abandonando melodramas realizados por grandes estúdios, que apresentavam personagens deslocados da realidade italiana, em casas chiques, inspirados em produções norte-americanas. Agora, o cinema parecia mais preocupado em retratar a realidade miserável do país, quase como um documentário.
Para que suas narrativas fossem críveis, os cenários (quando produzidos) eram preparados em locações (lugares) reais - não mais em estúdios - e geralmente gravados em externas. A Trilogia da Guerra de Roberto Rossellini é um exemplo claro da importância das locações para o neorrealismo italiano, uma vez que seus filmes Roma, Cidade Aberta (1945); Paisà (1946) e Alemanha, Ano Zero (1948) desenvolvem suas tramas em meio as ruínas das cidades de Roma, Berlim e toda a Itália.
Figurino e Maquiagem
Assim como o cenário, o figurino e a maquiagem podem ter uma função narrativa dentro do cinema. No caso do figurino, além de transmitir informações básicas sobre o personagem, como classe social e época em que vive, podemos enxergar seu vestuário como uma expressão interior do personagem.
Como apontam Bordwell e Thompson, o diretor de cinema Guido, em Oito e Meio (1963), de Federico Fellini, não usa óculos escuros apenas por conta do sol, mas como forma de se proteger do mundo exterior. Ou quando, em Jejum de Amor (1940), de Howard Hawks, os chapéus de Hildy Johnson mudam quando ela deixa o trabalho do lar para ser repórter.
Algo semelhante ocorre em O Poderoso Chefão (1972), de Francis Ford Coppola. O vestuário de Kay Adams se modifica ao longo do enredo, conforme sua relação com Michael Corleone evolui. Confira essa incrível análise de Pablo Villaça:
A maquiagem não escapa desse contexto. Originalmente aplicada para melhorar o registro dos rostos dos atores na película cinematográfica, ao longo dos anos ajudou na caracterização de personagens históricos e, associada a próteses, contribuiu para a solidificação de gêneros cinematográficos como horror, ficção, fantasia…
A maquiagem também é capaz de acrescentar expressividade ao rosto do ator, podendo até mesmo ajudá-lo em seu desempenho. David Borwell e Kristin Thompson exemplificam como o simples desenho da sobrancelha é capaz de alterar nossa leitura de um personagem:
“Sobrancelhas alongadas podem ampliar a face, enquanto as mais curtas podem deixar o rosto mais compacto. Sobrancelhas moldadas em curva ligeiramente ascendente dão alegria ao rosto, enquanto as ligeiramente inclinadas para baixo indicam tristeza. Sobrancelhas espessas, retas, comumente aplicadas aos homens, reforçam a impressão de um olhar sério e árduo”.
Gostou dessa primeira parte dos aspectos fundamentais da mise-en-scène? Na semana que vem, nosso blog continua com outros dois aspectos essenciais: a iluminação e a encenação.
Referências
Livros: A arte do cinema: uma introdução, de David Bordwell e Kristin Thompson
Filmes: Roma, Cidade Aberta (1945), dirigido por Roberto Rossellini Paisà (1946), dirigido por Roberto Rossellini Alemanha, Ano Zero (1948), dirigido por Roberto Rossellini Oito e Meio (1963), dirigido por Federico Fellini Jejum de Amor (1940), dirigido por Howard Hawks O Poderoso Chefão (1972), dirigido por Francis Ford Coppola