Ao assistir um filme o espectador está constantemente atribuindo significados, mesmo que de forma inconsciente, ao que está em tela - sejam escolhas visuais formais ou até mesmo diálogos e questões de enredo. Após a sessão, essa busca por desvendar o filme não para. Mas como saber se não estamos “viajando” quando atribuímos certo significado a um filme? Existe um método ou uma sistematização do “atribuir significado”?
David Bordwell e Kristin Thompson, em A arte do cinema: uma introdução, nos apontam quatro tipos de significados possíveis: significado referencial, significado explícito, significado implícito, significado sintomático. Os autores definem esses quatro tipos de significados e ilustram essa teoria a partir do clássico O Magico de Oz (1939), de Victor Fleming.
No Significado Referencial se estabelece um pequeno resumo do enredo levando em conta o repertório do espectador: “Durante a Depressão, um tornado tira uma garota de sua família no Kansas e a leva para a terra mística de Oz. Depois de uma série de aventuras, ela volta para casa”.
Para essa análise o espectador precisa identificar coisas e lugares que por si mesmas já possuem significância, como o espaço e período em que se passa o filme - o centro-oeste da América dos anos 1930 e suas dificuldades econômicas. O clima da região e a vida rural ali retratada, por exemplo, potencializam o contrastes causado entre a terra natal de Dorothy e Oz, que por sua vez possui cenários grandiosos, super saturados e brilhantes. É a partir desse significado referencial, então, que a transição entre mundos parece ainda mais brusca.
O Significado Explícito, por sua vez, é declarado abertamente no filme: “Uma garota sonha em deixar sua casa para fugir de seus problemas. Somente depois que ela vai embora é que percebe o quanto ama sua família e amigos”.
Tomamos esse significado como declarado abertamente pois ele está representado na fala final de Dorothy (e provavelmente a fala mais conhecida do filme): “Não há lugar como a nossa casa”. Por sua importância narrativa, essa fala é potencializada formalmente, já que é apresentada em um momento privilegiado no filme (próximo ao final), é filmada em primeiríssimo plano e retoma os desejos e provações que foram construídos aos poucos durante toda a narrativa. A forma do filme faz questão de deixar explícita a importância da fala e de seu significado.
O Significado Implícito já parte para um grau de abstração, sugerindo algo que está além do filme: “Uma adolescente que logo enfrentará o mundo adulto deseja retornar ao mundo descomplicado da infância, mas, por fim, aceita as exigências da vida adulta”.
Ao contrário da fala final de Dorothy, esse significado não é declarado explicitamente no filme. Aqui o espectador deve atribuir significados implícitos na obra, ou, como normalmente falamos, o espectador deve interpretar a obra. Esse significado possui caráter subjetivo, mas mesmo assim está sujeito a forma geral da obra, que modela nossa percepção desses significados.
Por fim, o Significado Sintomático também é abstrado e geral, pois situa o filme em uma linha de pensamento social: “Numa sociedade em que o valor humano é medido pelo dinheiro, o lar e a família parecem ser o último refúgio dos valores humanos. Essa crença é especialmente forte em tempos de crise econômica, como a que os Estados Unidos enfrentavam nos anos 1930”.
Aqui vemos um aproveitamento de um significado explícito (a frase de Dorothy) como uma generalização de um conjunto de valores da sociedade da época. Ao tomarmos os significados implícitos e explícitos como um conjunto particular de valores sociais, temos o significado sintomático. E esses valores se revelam como uma ideologia social - sejam elas crenças religiosas, opiniões políticas…
Os autores nos lembram que “os filmes têm significado porque atribuímos significado a eles”. Por vezes, o cineasta guiará nossa percepção para determinados significados, e outras vezes encontraremos significados que ele não havia planejado. Mas quanto mais abstrata a nossa atribuição de significado, mais corremos o risco de nos afastarmos da compreensão do sistema formal concreto do filme. Devemos encontrar o equilíbrio entre esse sistema e a nossa vontade de atribuir ao filme um significado mais amplo.
Referências
Livros: A arte do cinema: uma introdução, de David Bordwell e Kristin Thompson
Filmes: O Mágico de Oz (1939), dirigido por Victor Fleming