Já tratamos anteriormente dos princípios da organização visual nas artes em dois artigos (leia aqui a primeira parte e a segunda parte) e até mesmo das funções dos enquadramentos no cinema. Mas nesse jogo de significação, quais são os recursos que os cineastas podem utilizar na composição de seus enquadramentos?
Com o apoio dos estudos de Jennifer Van Sijll, no livro Narrativa Cinematográfica, trataremos de cinco recursos a partir de seus exemplos: o direcionamento do olhar, o desequilíbrio, o equilíbrio, a orientação e a proporção.
Direcionamento do olhar
O direcionamento do olhar no cinema, tal qual nas artes visuais, se dá pelo contraste entre áreas principais e áreas secundárias. E para criar essa diferença de dominância entre as áreas, utiliza-se a proximidade ao objeto, sua centralidade, a iluminação. Tudo isso conta para oferecer ao público uma hierarquia dos elementos na imagem e guiar o seu olhar.
Em Cidadão Kane (1941), de Orson Welles, por exemplo, a iluminação da cena a seguir é crucial para estabelecer a dominância entre as áreas do quadro: o que é importante, o que deve ser visto, é iluminado; o que o público não deve ver, fica no escuro.
A expectativa de que ao final da projeção que os jornalistas estão assistindo a tela branca perca sua importância, e agora os jornalistas que estão falando sejam iluminados, tornando-se o centro das atenções, não é correspondida. Ao contrário, Welles mantém a tela branca iluminada, e os personagens ficam na penumbra.
Para Jennifer Van Sijjl, essa inversão é uma pista para o público, de que o que importa ali naquele momento não são os jornalistas, mas todas suas dúvidas e questões sobre Kane. Quando a imagem perde seu caráter didático, o som se potencializa, e o diálogo dos personagens torna-se ainda mais importante.
Equilíbrio e desequilíbrio
Nas artes visuais tratamos do equilíbrio em quatro categorias: o equilíbrio simétrico (formal), o equilíbrio simétrico aproximado, o equilíbrio radial e o equilíbrio assimétrico (informal/oculto). E no cinema, a simetria também pode ser utilizada narrativamente não apenas como um recurso estético.
Em Disco Pigs (2001), de Kristen Sheridan, após o nascimento de um bebê vemos dois berços posicionados lada a lado. Tudo na composição é idêntico, menos o vazio do segundo berço - o que chama a atenção do espectador mais para essa ausência do que para a presença no bebê em quadro.
Mas com a chegada do segundo bebê, o desequilíbrio inicial é “corrigido”, e a simetria é novamente selada com um aperto de mãos entre os dois recém-nascidos.
Esse equilíbrio segue na próxima cena - que em uma elipse temporal, vemos os dois personagens já adultos, mas ainda dividindo a composição da mesma maneira como eram quando bebês. E as mãos dadas na terceira imagem funciona como uma rima visual da cena anterior.
Orientação
Nem sempre teremos uma representação na tela fiel a forma como vemos o mundo. Essa mudança de orientação do ponto de vista do narrador, da câmera, também pode ser utilizada de maneira simbólica na narrativa.
A autora aponta que em Apocalypse Now (1979), dirigido por Francis Ford Coppola, quando somos introduzidos ao enredo a partir do capitão Willard vemos seu rosto de ponta cabeça, sobreposto a imagens da floresta do Vietnã em chamas, o que simbolizaria que tanto o personagem quanto a história a ser contada não são comuns, e para isso exigem um enquadramento incomum.
Proporção
Por fim, outro elemento de composição de significação nos enquadramentos é a proporção. É com ela que podemos determinar visualmente a força e a fraqueza de determinados personagens.
Em Metrópolis (1927), Fritz Lang utiliza esse recurso para criar um contraste entre o poder dos habitantes da cidade e os trabalhadores - os “de cima” e os “de baixo”. Confira a análise de Sijll sobre os dois planos abaixo:
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Plano 1: “O mundo exterior é o mundo dos edifícios modernos e arrojados que representam a conquista máxima da técnica humana. As descomunais proezas arquitetônicas dominam o cenário e parecem chegar até as nuvens. Nessa metrópole, só a elite vive acima do chão para usufruir seus benefícios”.
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Plano 2: “Lang compara os maciços arranha-céus aos homens semelhantes a formigas que os constroem. Esses operários desumanizados se arrastam em colunas e são forçados a viver em ‘colônias de formigas’ subterrâneas. Eles são apequenados pelos prédios que constroem e pelas máquinas que os escravizam”.
Referências
Livro: Narrativa Cinematográfica, de Jennifer Van Sijll
Filmes: Metrópolis (1927), dirigido por Fritz Lang Cidadão Kane (1941), dirigido por Orson Welles Apocalypse Now (1979), dirigido por Francis Ford Coppola Disco Pigs (2001), dirigido por Kristen Sheridan