Nessa semana o AvMakers está oferecendo um Workshop Gratuito de Direção de Fotografia. Apesar de ser uma função exercida majoritariamente por homens, as mulheres tiveram papel fundamental nessa especialidade e até hoje são invisibilizadas pelo cânone cinematográfico.
Por conta disso, assim como já listamos grandes mulheres do cinema que estão por trás das câmeras, apresentamos hoje a história das mulheres pioneiras na direção de fotografia, além de destacar quem atualmente está fazendo a diferença em filmes, séries e videoclipes.
Pioneiras
Como explicado pelo professor João Castelo Branco em nosso workshop, a função de direção de fotografia não surgiu concomitantemente ao cinema. O diretor, além de responsável pela mise-en-scène (do francês “pôr em cena”) era também quem operava todo o aparato cinematográfico. Conforme a linguagem do cinema foi se desenvolvendo, percebeu-se a necessidade da divisão de funções, assim como a especialização de cada profissional em seu trabalho individual.
Tida como a primeira cineasta mulher da história, Alice Guy Blaché (foto acima) estava inserida nesse período pré-divisão de funções. Seu filme La Fée Aux Choux (“A Fada do Repolho”), de 1896, é não apenas o primeiro filme dirigido por uma mulher como também é considerado o primeiro filme narrativo da história.
O filme, com duração de apenas um minuto, foi dirigido, escrito, produzido e fotografado por ela. Enquanto, na mesma época, o cinematógrafo era visto como uma ferramenta de registro do mundo, em caráter documental, Alice Guy Blaché vislumbrou seu potencial narrativo ao adaptar a lenda francesa de que bebês meninas nasciam de rosas, enquanto meninos nasciam de repolhos.
A primeira versão do filme foi perdida, mas você pode conferir aqui uma refilmagem realizada pela própria diretora quatro anos depois, em 1900:
Após a função ser estabelecida, Brianne Murphy (estampada na foto de capa do artigo) se consagrou como a primeira diretora de fotografia de um grande estúdio, ao trabalhar no filme Fatso, em 1980. Ela também foi a primeira mulher associada a ASC (American Society of Cinematographers) no mesmo ano - 61 anos após a fundação dessa organização.
Brianne nunca esteve muito confortável com seu papel de pioneira e alegava que não fazia o tipo de quem conduzia movimentos. Mas, de qualquer forma, o seu bom trabalho influenciou e continua influenciando mulheres que pretendem seguir carreira na área.
No Brasil, Kátia Coelho foi nossa primeira mulher a fazer a direção de fotografia de um longa-metragem. Ela começou sua jornada no cinema como assistente de câmera, em 1983, e trabalhou como primeira assistente em 19 filmes antes de se tornar fotógrafa.
Por sete anos, foi professora de Cinematografia na Escola de Comunicações e Artes da USP, mesma universidade em que fez graduação e mestrado em Cinema. Escolheu o curso com 17 anos inspirada pelas imagens do Canal 100 e pela vontade de produzi-las. Na época, sequer sabia se haviam ou não mulheres na área.
Seu primeiro trabalho profissional foi com Affonso Beato, fazendo assistência de câmera. Segundo ela, pela experiência do fotógrafo com o mercado americano, onde já haviam mulheres trabalhando na área, não houve nenhum estranhamento em fazer parte da equipe de fotografia de Affonso.
Já recebeu mais de trinta prêmios nacionais e internacionais por seu trabalho. Aqui você encontra alguns excertos de trabalhos de Kátia Coelho.
Contemporâneas
No vídeo ensaio intitulado 12 Essential Women Cinematographers, Jacob T. Swinney seleciona doze grandes diretoras de fotografia contemporâneas e destaca alguns dos belíssimos planos de seus filmes. Abaixo você encontra os nomes dessas fotógrafas, seus principais trabalhos e em seguida o vídeo ensaio.
- Maryse Alberti - Velvet Goldmine (1998), The Wrestler (2008), Creed (2015);
- Maya Bankovic - Tru Love (2013), The Rainbow Kid (2015);
- Natasha Braier - The Rover (2014), The Neon Demon (2016);
- Caroline Champetier - Holt Motors (2012), Of Gods And Men (2010);
- Charlotte Bruss Christensen - The Hunt (2012), Far From The Madding Crowd (2015);
- Autumn Durald - Palo Alto (2013), One And Two (2015);
- Agnes Godard - 35 Shots Of Rum (2008), Golden Door (2006);
- Ellen Kuras - He Got Game (1998), Bamboozled (2000), Blow (2001), Eternal Sunshine Of The Spotless Mind (2004);
- Reed Morano - Frozen River (2008), Kill You Darlings (2013), The Skeleton Twins (2013), Meadowland (2015);
- Rachel Morrison - Fruitvale Station (2013), Cake (2015), Dope (2015);
- Amy Vincent - Eve’s bayou (1997), Hustle & Flow (2005), Black Snake Moan (2006);
- Mandy Walker - Australia (2008), Jane Got a Gun (2016).
Brasileiras
No Brasil, além da desbravadora Kátia Coelho, outras profissionais se destacam na função atualmente. Heloisa Passos, por exemplo, é uma curitibana que começou a trabalhar com cinema como assistente de câmera em Todos os Corações do Mundo (1994). Quatro anos depois, já era operadora de câmera em Menino Maluquinho 2 (1998).
A partir de 2006 Heloisa já assinava a direção de fotografia de curtas. Em 2008, recebeu o prêmio de melhor fotografia no Festival de Gramado pelo curta Areia, de Caetano Gotardo. Foi diretora de fotografia de Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, de Karim Aïnouz e Marcelo Gomes, em 2009, e no mesmo ano recebeu o prêmio de melhor fotografia no Festival do Rio.
Andrea Capella estudou Arquitetura, Cenografia e Artes Plásticas até se formar em Cinema na UFF, onde também se especializou em Direção de Fotografia. Ao longo de sua carreira, fotografou mais de 20 curtas-metragens, além de assinar a fotografia de longas-metragens como Corpo Elétrico (2017), de Marcelo Caetano, e Mexeu Com Uma, Mexeu Com Todas (2017), de Sandra Werneck.
Além de diretora de fotografia, é artista visual. Sua produção é intermidiática e ela já trabalhou com diversos artistas de outras áreas, como teatro e dança. Aqui você pode assistir ao filme Instantâneos, de 2010. Este foi o primeiro trabalho de Andrea na direção, ao lado de Peter Lucas, e ela também foi uma das responsáveis pela fotografia do curta.
Formada em Rádio e TV pela UFRJ e em Direção de Fotografia pelo Institut International de l’Image et du Son, na França, Lílis Soares também está sob os holofotes. Em 2020, dirigiu a fotografia de três filmes selecionados na 23ª Mostra de Tiradentes: os curtas Ilhas de Calor (Ulisses Arthur) e Minha História é Outra (Mariana Campos), e o longa Um Dia com Jerusa (Viviane Ferreira). Na ocasião, recebeu o Prêmio Helena Ignez 2020, oferecido a um destaque feminino em qualquer função pelo Júri Oficial da mostra:
“Com dois curtas e um longa na mostra Tiradentes 2020, a presença de uma jovem fotógrafa evidencia um caminho sem volta e a urgência de se olhar, cuidadosamente, para um cinema que atravessa processos vitais, de formação e construção política. Os projetos de que ela participa recebem o tratamento de uma pesquisa rigorosa, sobre uma questão antiga, mas ainda pouco enfrentada: afinal, como filmar corpos negros? Encontramos a força de uma perspectiva comprometida com a descolonização do fazer cinema, e celebramos em seu trabalho o acolhimento de uma questão ética incontornável ao nosso tempo. O que ela tem feito, articulada em coletivos, como o Coletivo de Diretoras de Fotografia do Brasil, ao qual o júri estende sua homenagem, é um cinema que assume para si a responsabilidade de enfrentar não apenas uma disputa de narrativas, mas a agencia de uma sensibilidade preta. Por saber que a pele é nossa primeira lente, e pelos modos como faz emergir novas imagens, premiamos uma fotógrafa em plena atividade, pela autonomia de um fazer cinematográfico que sim, atravessará os tempos.”
Você tem alguma diretora de fotografia preferida? Ou conhece alguma profissional que ficou de fora da nossa lista? Conta pra gente aqui nos comentários, ou em nossas redes - Facebook e Instagram!
Referências
Alice Guy Blaché, a pioneira do cinema que a história esqueceu The rise of the female DP 12 Essential Women Cinematographers