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O uso simbólico da cor no cinema - Parte 1

Como podemos pensar o uso das cores no cinema em perspectiva narrativa?

há 4 anos 6 meses

Desde que as cores chegaram ao cinema elas vêm sido usadas de maneira expressiva nas narrativas. Alguns filmes, inclusive, evidenciam em seu próprio título uma cor recorrente na trama, fazendo com que o espectador se mantenha ainda mais atento a sua importância: Moulin Rouge - Amor em Vermelho (2001), Azul é a Cor Mais Quente (2013), a própria Trilogia das Cores de Krzystof Kieslowski.

E é claro que não existe fórmula pronta. Assim como o vermelho pode expressar paixão em um filme, em outro pode representar um prelúdio para a morte. Então, antes de analisar os significados da cor em um filme, lembre-se que ela está inserida em uma unidade fílmica que deve ser levada em consideração. E que para defender sua tese, ao escrever uma análise fílmica, seus argumentos precisam estar amparados nessa mesma unidade que se materializada na tela.

Mas é comum que os cineastas recorram a simbologia das cores a partir de sua construção histórica e cultural. Por isso, é essencial conhecer um pouco mais sobre como cada cor foi utilizada ao longo dos anos, por exemplo, nas artes. Em Da cor à cor inexistente, Israel Pedrosa faz um breve apanhado arqueológico do que determinadas cores simbolizavam e ainda simbolizam em algumas sociedades. Apoiados em seu texto, podemos pensar um pouco mais sobre essas mesmas cores no cinema.

Vermelho

Começando pelo óbvio, o vermelho é facilmente associado como a cor da paixão. Para os cristãos ela representa o Amor Divino e desde a Comuna de Paris está ideologicamente relacionada a revolução proletária. Pode também representar perigo ou pare - é só nos lembrarmos das cores no semáforo. No Japão, a cor está associada a sinceridade e felicidade. Era a cor dos imperadores.

Em Moulin Rouge - Amor em Vermelho (2001) seu significado é explicitado pelo título em português. A cor se manifesta principalmente pela direção de arte de Catherine Martin & Brigitte Broch - vencedoras do Oscar na categoria em 2002 por esse trabalho. Apesar da obviedade desse “amor em vermelho”, ao longo do enredo a cor é ressignificada pela iminência de morte de um dos protagonistas.

No gênero italiano Giallo (que por mais irônico que pareça significa amarelo em italiano), por exemplo, o vermelho do sangue ajuda a compor o barroco visual do gênero. Os filmes giram em torno das cenas de assassinatos, que geralmente são provocados por armas brancas, prolongando o ato e resultando em ainda mais sangue em cena.

Um destaque da cor ainda mais do que no Giallo podemos encontrar em A Lista de Schindler (1993). Predominantemente preto e branco, encontramos cores apenas em duas cenas: a primeira, em que uma mão acende uma vela, e a segunda, de uma garota com um casaco vermelho. A cor contrasta com a inocência da personagem que a veste, potencializando seu sentido de perigo e prelúdio de morte em meio ao holocausto

Amarelo

Sinal de riqueza, o amarelo estabelece ligação com o ouro, com o sol. Para os cristão essa é a cor da , da eternidade, enquanto para o pintor russo Kandinsky, o amarelo representa calor, energia, claridade. Pode simbolizar a traição e, por sua intensidade, até mesmo o desespero.

Em alguns filmes a cor se destaca. Como na estrada de tijolos amarelos em O Mágico de Oz (1939), que Dorothy percorre com fé de encontrar o mágico e voltar para sua casa, ou no figurino da noiva em busca de vingança de Kill Bill (2003), e até mesmo na direção de arte de Renata Pinheiro em Amarelo Manga (2002), de Cláudio Assis, que abandona a atribuição de riqueza associada a cor.

Apesar do nome, o gênero italiano Giallo (amarelo) não apresenta um uso expressivo da cor em seus filmes. Seu título é herdado da literatura, em que romances de crime e mistério foram publicados na coleção Il Giallo Mondadori. As capas amarelas desses livros são a motivação para o nome do gênero literário e cinematográfico.

Verde

Cor da esperança, longevidade, força, imortalidade. Na tradição chinesa, o Yin e o Yang podem ser representados pelas cores vermelho e verde - em que o vermelho simboliza uma força masculina, impulsiva, e o verde, por sua vez, um elemento feminino e reflexivo. Eles acreditavam também nos poderes medicinais associados a essa cor por conta do jade (uma pedra ornamental).

Um Corpo Que Cai (1958), de Alfred Hitchcock, também utiliza o verde para criar uma atmosfera quase onírica na cena em que Judy se veste de Madeleine para satisfazer os desejos de John. Dessa vez, os créditos são da direção de fotografia, que ilumina a cena com uma luz pigmentada e justifica sua fonte a partir do letreiro do hotel em que Judy está hospedada.

No gráfico abaixo você encontra as cores associadas aos personagens de Breaking Bad durante toda a série. O verde é predominante em Walter White na primeira temporada. Mesma cor que Skyler White passa a vestir assim que descobre o esconderijo de dinheiro de seu marido. Aqui a cor pode conotar poder e ganância.

Azul

Cor sinônimo de calma e tranquilidade, na antiguidade acreditava-se que o azul era resultado da mistura do preto e do branco e foi definido por Leonardo da Vinci como “composto de luz e trevas, de um preto perfeito e de um branco muito puro como o ar”. Foi escolhido como a cor da nobreza - de sangue azul - por conta da ideia de superioridade do azul em comparação com as outras cores.

Em O Regresso (2015), de Alejandro González Iñárritu, o tom azulado da imagem remete a solidão e melancolia da peregrinação do protagonista em busca de vingança, além do frio sentido pelo personagem. Em Azul é a Cor Mais Quente (2013), Adèle descobre na cor azul dos cabelos de Emma sua paixão por uma mulher, deixando de lado a denotação de frieza associada a cor.

Na próxima semana nossa jornada pelas cores e seus símbolos no cinema continua. Nos acompanhe no Facebook e Instagram para não perder nenhum de nossos posts.


Referências

Livros: Da cor à cor inexistente, de Israel Pedrosa

Filmes: Moulin Rouge (2001), dirigido por Baz Luhrmann Azul é a Cor Mais Quente (2013), dirigido por Abdellatif Kechiche A Lista de Schindler (1993), dirigido por Steven Spielberg O Mágico de Oz (1939), dirigido por Victor Fleming Kill Bill (2003), dirigido por Quentin Tarantino Amarelo Manga (2002), dirigido por Cláudio Assis Um Corpo Que Cai (1958), dirigido por Alfred Hitchcock O Regresso (2015), dirigido por Alejandro González Iñárritu

Autor(a) do artigo

Rafael Alessandro
Rafael Alessandro

Professor, coordenador e produtor de conteúdo no AvMakers. Rafael Alessandro é formado em Comunicação, graduando em Cinema e Audiovisual e mestrando em Cinema e Artes do Vídeo pela Faculdade de Artes do Paraná.

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