A Cinemateca Brasileira é a instituição responsável pela preservação e difusão da produção audiovisual brasileira.
Hoje, todos filmes produzidos a partir de recursos públicos, como os financiados por leis de incentivo, tem como parte da prestação de contas a entrega do material audiovisual às cinematecas. Esta cópia tem a finalidade de preservação dessas obras que integram nosso patrimônio cultural para reproduções futuras, já que está armazenado em condições ideais.
E essa preservação não contempla apenas filmes exibidos no cinema. Obras de televisão, de internet, publicitárias e até amadoras também são conservadas nesse espaço. Todos esses materiais, seja recebido por depósito legal, voluntário ou doação, são registros de uma época, e serão identificados e catalogados para que futuros espectadores e pesquisadores possam acessá-los.
Um acervo da história do (nosso) cinema
A Cinemateca Brasileira, localizada em São Paulo, é a mais antiga instituição de cinema do Brasil e tem o maior acervo relacionado ao tema da América do Sul. São 250 mil rolos de filmes e mais de um milhão de documentos, como livros, fotos, roteiro e cartazes.
Dentre esses mais de 100 anos de imagens, há registros raríssimos, como reportagens da extinta TV Tupi - primeira emissora brasileira - distribuídas em mais de 180 mil rolos de filmes em 16 milímetros. A filmografia de grandes cineastas também está armazenada no local.
O projeto Coleção Glauber Rocha, por exemplo, possibilitou a parceria da Cinemateca com instituições do mundo todo para a restauração das obras do diretor. Além do já restaurado Deus e o Diabo na Terra do Sol, foram contemplados filmes como Barravento, Terra em Transe, O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro, A Idade da Terra e O Leão de Sete Cabeças.
Além da importância histórica de preservação cultural dessa cinematografia, essa restauração é resultado de uma demanda nacional e internacional de acesso a esses filmes em boa qualidade. O sucesso na disseminação dessas obras em festivais, exibições em salas comerciais de cinema e em DVD é prova disso. Só Terra em Transe recebeu 10 mil espectadores em duas semanas de exibição nos cinemas após a restauração.
E não é só o nosso país que é contemplado por essa instituição. Em 2002, O Castelo Vogelod, de F.W. Murnau, foi restaurado pela fundação Friedrich Wilhelm-Murnau a partir da combinação de um negativo da Bundesarchiv-Filmarchiv, em Berlim, e de uma cópia em nitrato da nossa cinemateca.
Nas mãos da sorte
Apesar de seu reconhecimento internacional, a Cinemateca Brasileira vem enfrentando a maior crise desde a sua fundação, em 1946. Em maio de 2020, Regina Duarte foi anunciada como substituta de Olga Futemma, diretora da Cinemateca. Olga, que é graduada e mestre em Cinema pela Universidade de São Paulo, trabalhava na instituição há 36 anos e esteve envolvida na organização do arquivo pessoal de Glauber Rocha.
Em agosto, a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto informou a demissão de todos os funcionários da instituição. São profissionais da área de preservação, pesquisa, documentação, difusão… O anúncio aconteceu uma semana após a entrega das chaves da Cinemateca Brasileira à União, atendendo a um pedido da Secretaria especial da Cultura, que atualmente é comandada pelo ator Mario Frias, que já trabalhou em novelas como Os Mutantes, da Rede Record.
A associação, que foi a mantenedora da Cinemateca desde 2018, afirma que o Executivo não repassou verba para a instituição neste ano, e que o atual governo acumulou uma dívida de 14 milhões de reais em atraso relativa ao orçamento. Somente em agosto que o governo anunciou a liberação de apenas 20% desse valor para contratos de manutenção. E esse descaso já teve efeitos imediatos, como os danos a 113.000 cópias de DVDs, causados por uma enchente no depósito da cinemateca, em fevereiro desse ano.
Além disso, dos 250 mil rolos de filmes armazenados no local, mais de 2500 são compostos por nitrato de celulose, que são altamente inflamáveis e correm o risco de entrar em autocombustão se não refrigerados corretamente. Em fevereiro de 2016 a cinemateca enfrentou seu quarto incêndio, que destruiu por completo 270 títulos. Esse histórico nos mostra que a constante falta de investimentos pode fadar esse espaço fundamental para a história do cinema mundial ao mesmo destino de nosso Museu Nacional.